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Marte Um: um olhar para os horizontes

Por Davi Alves

A produtora audiovisual mineira ‘Filmes de Plástico’ celebra seus quinze anos em 2024. Tendo seu início na cidade de Contagem e atualmente sediada em Belo Horizonte, a produtora coleciona títulos de destaque tanto no Brasil quanto em festivais internacionais, participando de mais de 200. O ano de 2022 esteve entre os mais especiais nessa trajetória, já que seu aclamado filme ‘Marte Um’ recebeu enorme prestígio nacional e foi selecionado para representar o Brasil na corrida pelo Melhor Filme Internacional na premiação da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas, o Oscar.

A seguir, um breve comentário sobre a riqueza estética e narrativa da obra.

Há um plano, ainda no início da rodagem de Marte Um, que traz uma paisagem urbana em dia de sol, e que logo em seguida é enquadrada através de uma janela que está sendo higienizada por uma diarista, focada em seu trabalho. Mais a frente no filme, a mesma diarista agora está em uma varanda. Não há vidro na altura de seus olhos que lhe impeça de contemplar a paisagem.

Existe um belo horizonte em Belo Horizonte. Não só no sentido literal das paisagens recortadas que dançam no movimento das serras do velho Curral del Rei e enchem os olhos de quem conhece a capital mineira. A fala aqui é mais sobre a beleza de um horizonte que se desenha de longe e que pode ser visto da periferia de Contagem, mas é quase impossível de se alcançar e fazer parte dele estando à margem.

Para Wellington, o pai da família, o belo horizonte a ser alcançado mira a Pampulha. Mira o Mineirão, uma carreira de sucesso para seu filho e, consequentemente, a promessa de uma vida de mais dignidade e menos dificuldade. Sorín, ídolo do time do coração de Wellington e novo morador do prédio onde trabalha, elogia a vista assim que chega. Wellington projeta, quem sabe, poder um dia viver de contemplar um horizonte bonito como aquele. Para Eunice, a filha, o belo horizonte caminha pelo Centro de Belo Horizonte, passa pelo conflito de gerações familiar e, frequentemente, esbarra nesse vidro pelo qual tudo é possível de ser visto, mas que também cria uma barreira física, chamada questão de classes. É olhar da periferia pro Centro, e do Centro para periferia novamente. É dar conta e absorver demandas não só suas como do resto da família. Para Tercia, a mãe, seu cruel belo horizonte é fugir de si. É ver-se como fonte de problema e, buscar fugir de Belo Horizonte em busca do seu belo horizonte, para, só mais tarde, ter a possibilidade de celebrar que, apesar de tudo, está viva.

E o longa de Gabito, diretor do filme, recheia essas simples tramas com signos que provavelmente resgata da sua própria vivência, como rolês de bicicleta pelo bairro; churrascos de aniversário com direito a faixa; falas como “doidimais” ou “cabuloso”; seu Cruzeiro querido em dia de clássico. Nada que seja incomum na vida de um belorizontino, contagense, betinense… de um brasileiro. Na mesma medida que é tipicamente mineira, essa história é tipicamente brasileira.

Sem ter intenção de ser um filme óbvio ou panfletário em seu discurso, somos lembrados de que o Brasil de 2018 sequer foi o Brasil de olhar de longe o belo horizonte desejando-o, mas sim o Brasil que nos convida a abaixar a cabeça em rendição. Deivinho, porém, nos convida ao invés de abaixar a cabeça, olhar para cima. Se as circunstâncias e o caos social nos leva a desacreditar nos sonhos terrenos, sonhemos sonhos ainda mais pujantes. Deivinho, o filho, não se contenta sequer com o belo horizonte, pois o horizonte que mira é calculado em anos-luz e tem atmosfera vermelha de Marte. Deivinho rejeita as estrelas de seu Cruzeiro no peito e decide se entregar de peito aberto a viver entre as estrelas.

O último movimento de câmera, de forma elegante e sensível, traz uma linda mescla das pequenas luzes das casas da periferia de Contagem a noite no horizonte com as estrelas do céu. Em cada contagense há um mundo, um universo de sonhos em ‘contagem’ regressiva que quase sempre não cabem em si e explodem como supernovas.

E há diversos ‘Deivinhos’ espalhados pelo país. Mudando de estado para cursar cinema em um Brasil quebrado e inimigo da cultura; saindo de uma cidade de interior com o sonho de fazer um intercâmbio; tentando passar num concurso público sem ter tempo para estudar por conta das demandas da vida; conciliando a vida de mãe-solo com a carreira e diversos exemplos que basta olhar para o lado e identificar.

Há diversas missões Marte Um no coração de cada brasileiro que se propõe a ser como Deivinho.

E aí? O que fazer a partir daí?

A última linha de diálogo do filme, carregada de ancestralidade e construção coletiva, em bom mineirês, nos dá a dica:

“uai… a gente dá um jeito.”

E daremos. E faremos acontecer. Estamos chegando. Nos aguarde.

Um comentário

  1. Renam Linhares

    DAAAAAAAAAAAAAAAAAALE DAVIIIIIII

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