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FUTEBOL E RÁDIO: Pelas ondas da emoção

Por: Felipe Dutra

Uma viagem ao longo das últimas quatro décadas do esporte mais querido do Brasil no rádio, os desafios das mudanças sofridas desde 1980 e o ressurgimento através da internet.

HISTÓRIA

Nas ondas do rádio a emoção de uma nação habita. O eletromagnetismo mágico que transforma o objeto em meio evoluiu ao longo das décadas em torno de uma sociedade que pulsa pelo futebol.

A tecnologia da transmissão por ondas de rádio foi desenvolvida pelo italiano Guglielmo Marconi no fim do século XIX, mas a autoria mental das patentes que inspiraram o italiano de Bolonha pertence ao engenheiro eletrotécnico Nikola Tesla que em 1943 criou a rádio. Mas antes de Tesla e Marconi outro personagem deve ser citado na contribuição da invenção do rádio, Heinrich Hertz produziu e detectou ondas eletromagnéticas com frequência muito menor que a luz, essa descoberta foi vital, pois a humanidade se permitiu transmitir voz e músicas sem o uso de fios.

Nikola Tesla, inventor e engenheiro austríaco Foto: Arquivo

No Brasil, com Roberto Landell de Moura, aconteceram as primeiras transmissões de rádio da história, o brasileiro executou experimentos de ondas curtas no bairro da Medianeira, entre o morro com mesmo nome e o Morro de Santa Teresa.

A evolução do rádio como meio de comunicação foi absolutamente vagarosa no início, tendo tido uma utilidade militar logo nos seus primeiros anos. Na América do Sul, a Argentina se destaca por introduzir o entretenimento às primeiras transmissões de rádio em 1920.

Mas inevitavelmente no início o rádio era um meio militar, no Brasil apenas em 1922 aconteceu a primeira transmissão civil com receptores espalhados por Rio de Janeiro, Petrópolis e São Paulo, na ocasião acontecia a Exposição Internacional do Centenário da Independência. Na mesma noite, a população se assustou com a ópera O Guarani de Carlos Gomes transmitida pelos alto-falantes no Teatro Municipal, nesse momento surgia a primeira estação de rádio do Brasil, a Rádio Sociedade do Rio de Janeiro. Outro meio que no início da década de 20 fazia transmissões radiofônicas era a Rádio Clube, de Recife, mas como não contava com uma programação estruturada profissionalmente, não foi considerada a primeira estação de rádio brasileira.

A Era de Ouro do rádio brasileiro, aconteceu a partir da década de 1930, quando popularizou-se nacionalmente, com programações de entretenimento e informação e passou a veicular algumas publicidades, que permitiu novas fontes de renda. Gênios do áudio local surgiram como Ary Barroso, Dalva de Oliveira e Orlando Silva.

Carmen Miranda, entre Dorival Caymmi e Assis Valente, três nomes da era de ouro do rádio Foto: Arquivo

IMPORTÂNCIA DO RÁDIO

Ao longo do seu desenvolvimento como principal meio de comunicação do século XX, as transmissões radiofônicas ficaram mais técnicas, as estações de rádio ganharam relevância e socialmente o rádio se tornou vital para entender a sociedade. Se hoje todas as relações estão pautadas nos vários territórios da internet, efetivamente a partir do século 30 e 40 com boa parte da população já tendo acesso ao rádio, todas as tendências era ditadas através da ondas AM e FM e o cotidiano das casas eram marcadas por músicas, programas, radionovelas. Como experiência coletiva, as redes radiofônicas tinham o poder de criar tradições culturais.

Com tal relevância os conceitos difundidos na época ganhavam força rapidamente com a reprodução nas rádios, que por um lado é bom por representar uma grande capacidade de difusão de ideias a partir da comunicação e do jornalismo, mas por outro lado perpetuou estigmas negativos da época, que faziam parte daquele contexto, mas eram absolutamente segregacionistas.

Essa capacidade de difusão pode ser vista no seu alcance nacional, aqui as redes de rádio alcançam 89% da população nas principais regiões metropolitanas, o que significa chegar ao lares de 52 milhões de pessoas. Na média, as pessoas passam 4h36m sintonizadas em alguma estação, segundo pesquisa do Kantar IBOPE média 2017. Nos índices de confiança está a frente da televisão, com o crivo de 57% dos brasileiros, enquanto a televisão tem 54%, segundo a pesquisa brasileira de mídia 2016.

Atualmente o rádio sobrevive conectado a outros dispositivos através da internet, dessa forma, escutar as estações de rádio passou a ser ainda mais fácil e prático. O rádio se reinventou e hoje está presente até na linguagem dinâmica dos podcasts.

RÁDIO E FUTEBOL

Uma relação íntima e recíproca. Não existe futebol no Brasil, sem as grandes jornadas esportivas do rádio, do mesmo modo que as grandes estações radiofônicas só se difundiram regionalmente e nacionalmente por causa do esporte mais popular do mundo.

Boa parte dos brasileiros imaginaram a grandiosidade da defesa de Gordon Banks, na cabeçada de Pelé, a partir das grandes vozes de Pedro Luiz ou de Fiori Giglioti, que narraram o lance com extrema capacidade de reprodução dos fatos. Esse jogo foi válido pela Copa do Mundo de 1970, a primeira transmitida a cores pela televisão, mas a realidade dos brasileiros ainda era acompanhar os jogos no rádio, já que os aparelhos televisivos eram extremamente caros.

Até meados dos anos 2000 o futebol era rádio, o brasileiro acompanhou os títulos de 1958, 1962 e 1970 nas vozes dos históricos narradores que construíram paixões nacionais através de narrações inesquecíveis. Não só a história da Seleção Brasileira, mas principalmente a dos clubes é inteiramente contada nas ondas da emoção que embarca mil e uma sensações nos torcedores aflitos pelo grito de gol, que vez ou outra em jogos decisivos ganha uma aura quase antológica.

Os grandes jogos do futebol brasileiro da história até meados da década de 60 eram exclusivamente transmitidos ao vivo nas redes de rádio, desde a profissionalização do jogo (que aconteceu no final da década de 10). Ou seja, todos os grandes momentos do futebol nacional, estão registrados em narrações do rádio, são gols, defesas, dribles e lances eternizados nas ondas AM e depois FM.

DÉCADA DE 80

Depois de mais de 50 anos de rádio no Brasil, a década de 1980 já reservava várias evolução ao objeto rádio, a primeira delas, é que os velhos modelos de “radinhos” de pilha davam lugar aos rádios relógios, mais tarde aos Walkman lançado pela Sony em 1979. Nesse momento, grande parte dos carros brasileiros já tinha um rádio e nas casas também, e nós estabelecimentos, ou seja, em todo tinha uma aparelho, e a todo momento era possível escutar os sucessos da época ou até mesmo as notícias do trânsito em tempo real.

Rádio Walkman fabricado pela Sony Foto: arquivo

No futebol se destacavam as transmissões da Rádio Globo, que fazia transmissões para São Paulo, Rio de Janeiro, Porto Alegre, Belo Horizonte, e por todo o Brasil através de suas filiadas, que literalmente estavam espalhadas no território nacional. Além da Rádio Globo, a Rádio Nacional, a Rádio Transamérica e a Rádio Tupi também produziam jornadas esportivas marcantes, sobretudo no futebol carioca. Outra rede que buscava relevância nacional e crescia rapidamente era a Rádio Bandeirantes de São Paulo, que já tinha uma audiência muito grande na capital paulista.

Nessa época, as propagandas invadiram as estações de rádio, com jingles engraçados e inesquecíveis que passavam antes, nos intervalos e depois dos jogos. Financeiramente as estações de rádio viviam um momento bastante positivo com uma audiência massiva e com investimento de patrocínios de empresas nacionais e algumas até internacionais.

Tecnicamente as transmissões já mudavam um pouco em comparação às dos anos 60 ou 70. Os narradores já não eram obrigados a terem uma voz postada e caricata, isso permitiu que uma nova geração pudesse aparecer. Foi o caso de Luís Roberto, que atualmente é o principal na TV Globo, mas na década de 80 estava apenas começando, e mesmo jovem teve oportunidade na Rádio Globo, depois de surgir em estações menores do interior de São Paulo. Além disso as jornadas esportivas eram extremamente musicais e ainda com alguns ruídos, que em alguns momentos deixava as vozes um pouco estridentes.

A tecnologia invadiu as transmissões, com a chegada de computadores para auxiliar tanto na produção dos jogos, como também os próprios narradores e comentaristas, isso permitiu mais possibilidades para coberturas de jogos do estádio e principalmente dos estúdios.

A tragédia de Sarriá, eliminação brasileira para a Itália na Copa do Mundo de 1982, disputada na Espanha, teve uma audiência massiva na transmissão da Rádio Globo sobre o comando de Waldir Amaral:

Waldir Amaral: o craque do rádio esportivo Foto: Reprodução

DÉCADA DE 90

A fase de mudança para o modelo AM/FM teve seus últimos capítulos no início da década de 90, dando lugar a outra transição histórica do rádio, a chegada da era da internet. Essa mudança em um primeiro momento foi uma disputa, se hoje existem podcasts e rádios web, em 1990 ainda era difícil de acreditar que rádio e internet pudessem coexistir.

Outro velho “adversário” do rádio se consolidava nas casas brasileiras: a televisão. Nesse recorte as redes televisivas bateram recordes de audiência com programas de entretenimento e novelas. A Rede Globo de Televisão deu um salto na cobertura esportiva e tirou boa parte da audiência das transmissões da rádio. Esse momento representou o fim de vários investimentos no rádio, de acordo com a pesquisa do Projeto Inter-meios (coordenado por M&M e integrado por veículos que respondem por 90% da verba da mídia nacional), enquanto a TV ficou com 54,8% desse bolo em 1995, o rádio teve uma participação de 4,5%.

A rádio via satélite foi uma novidade, com a Bandeirantes como precursora, ao longo da década outras redes também fizeram investimentos em tecnologias com o intuito de melhorar a qualidade das transmissões e viabilizar um repasse das ondas por todo o Brasil.

O futebol brasileiro viveu um momento único na década de 90, saiu da fila de títulos mundiais, vencendo a Copa do Mundo de 1994, com números bem mais baixos de audiência do rádio em comparação com as copas de 1986 e 1990. Já os times nacionais o destaque foi para o São Paulo, que foi bicampeão do mundo em 1992 e 1993, além disso houve grandes finais de Campeonato Brasileiro, como é o exemplo do título de 1995 do Botafogo com gol de Túlio sobre o Santos.

Eder Luiz da Rádio Bandeirantes Foto: Portal dos Jornalistas

Esse momento do futebol brasileiro marcou uma diferença no público que acompanhava futebol pelo rádio, que antes era composto por todos os tipos de fã de futebol nacional e partir da década em questão passou a ser composto por torcedores com mais de 40 anos, já que as gerações mais novas se habituaram a assistir futebol pela TV. É bom lembrar que o futebol no rádio ainda tinha caráter de segunda opção, para quem não podia estar em casa na hora dos jogos, vários trabalhadores tinham seus radinhos como companheiros, a jornada esportiva era a companhia da jornada de trabalho.

DÉCADA DE 2000

Passado as dificuldades e revoluções dos anos 90, os anos 2000 foram absolutamente vitais para entender o papel do rádio na sociedade e qual seria a sua importância para o público geral, com a consolidação da internet. Nesse momento, o rádio teve que passar por muitas mudanças na programação em prol de atender as carências de um novo público que estava se formando, que tinha muito interesse em notícias. Desta forma destaca-se ao longo desse recorte a CBN (Central Brasileira de Notícias), que foi criada em 1991, mas nos primeiros anos dos século XXI protagonizou reportagens marcantes sobre grandes acontecimentos, além de uma cobertura do cotidiano das grandes cidades que virou marca registrada da rede.

Além do caráter mais noticioso, outra mudança marcante foi na proximidade com o ouvinte, que virou padrão nas rádios de música e posteriormente nas com outros tipos de programação, ligações em programas ao vivo ou escolhas de músicas por mensagem marcam essa época.

No futebol, a concorrência maior foi com o PPV (pay per view), que é um sistema no qual pode-se adquirir uma programação à parte, comprando separadamente jogos de futebol ou filmes, por exemplo. Isso tirou uma parcela da audiência do rádio nos jogos de sábado, por exemplo. A resposta estratégica das redes radiofônicas foi apostar num pré jogo longo, ou seja, uma transmissão que começasse antes da feita pela TV, além disso a programação da Jovem Pan, CBN, Tupi, Bandeirantes foi modificada para ampliar a cobertura esportiva com mais programas sobre futebol ao longo do dia, com intuito de captar os fãs dos times brasileiros em horários sem futebol na TV.

Os anos 2000 foram marcantes para uma alteração na forma de narrar os jogos pro rádio, a dinâmica que antes era absolutamente veloz na descrição dos lances passou a ser mais pausada em alguns momentos, dando espaço para comentaristas e repórteres participarem mais das jornada esportiva. Com isso, uma nova geração de narradores foi formada, destacando Marcelo do Ó, que teve uma trajetória entre a TV e o rádio, sempre descrevendo os lances com muito bom humor, abusando do uso de bordões, marca registrada das cobertura futebolística em redes radiofônicas.

Marcelo do Ó narrando um jogo na Rádio Band News Foto: Bandeirantes

Em 2002, a Rádio Transamérica FM foi uma das únicas emissoras brasileiras que pagaram a licença de transmissão da Copa do Mundo de 2002, reunindo-se a Rádio Globo e a Rádio Bandeirantes, já cativas em eventos internacionais. A cobertura do pentacampeonato da Seleção Brasileira entrou para a história e até hoje as narrações de Oscar Ulisses e José Silvério dos gols do Ronaldo Fenômeno são lembradas.

DÉCADA DE 2010 ATÉ HOJE

Nos anos 2010 até o momento atual o rádio passou por mudanças na sua forma. Os smartphones assumiram completamente a função de difusor das ondas hertzianas, mas a principal diferença dos anos 2010 foi a chegada dos podcasts que possibilitou que as pessoas pudessem ouvir programas sob demanda em seus dispositivos móveis. De acordo com uma pesquisa da Edison Research, em 2019, cerca de 51% dos americanos ouvem podcasts mensalmente.

Essas mudanças possibilitaram uma mudança também no conceito do que é rádio ou não é na sua linguagem. Rádio é YouTube, site, podcast e muito mais, e a forma de comunicar muda de acordo com cada veículo. O velho rádio hertziano ainda sobrevive, dialogando muito com as redes sociais e tendo uma programação dinâmica que envolve música, informação, programas de conversa e muito esporte.

Especialmente nas transmissões esportivas, a imagem foi incorporada, permitindo que a audiência acompanhe a reação dos narradores e comentaristas ao longo do jogo. Esse aspecto torna quase toda rádio em rádio web, o que financeiramente significa mais uma fonte de renda e maior possibilidade para divulgar patrocinadores.

As mulheres também ganharam espaço seja reportando, comentando ou narrando, elas finalmente fazem parte das jornadas esportivas. Camila Carelli foi repórter e comentarista da Rádio Globo CBN por 12 anos, tendo grande relevância na cobertura dos times cariocas.

A locutora Camila Carelli apresentando o programa “Convocadas” na CBN Foto: Facebook

A linguagem passou a ser multi, a presença de bordões ou de uma linguagem mais jovem varia de acordo com o narrador e a rede. Mas os espaços estão cada vez mais sendo ocupados por jornalistas jovens que buscam introduzir uma visão mais atual das transmissões esportivas.

O jogo do rádio: no dia 12 de maio de 2019, o Atlético Mineiro enfrentou o Palmeiras sem transmissões de TV, por um imbróglio de direitos de imagem da partida, o jogo só teve cobertura ao vivo das rádios, e por um dia, em pleno 2019, todas as gerações se renderam às jornadas esportivas radiofônicas.

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