(Foto: Senado Federal do Brasil)
Por João Guimarães, Maria Eduarda e Maria Luiza Coelho
Editado por Lorenna Soneghetti
Nos últimos anos, o Brasil tem testemunhado uma explosão no número de pessoas que apostam diariamente em sites de apostas esportivas e cassinos online, as chamadas “bets”. Com promessas de lucro rápido, jogabilidade acessível e divulgação massiva por influenciadores digitais, essas plataformas se tornaram parte do cotidiano de milhões de brasileiros. Porém, o que muitos ainda não percebem é que, por trás do entretenimento e da emoção de apostar, se esconde uma doença grave: a ludopatia.
A ludopatia, ou transtorno do jogo patológico, é um tipo de vício que leva o indivíduo a não conseguir parar de jogar, mesmo quando as perdas já ultrapassaram qualquer limite razoável. É uma dependência reconhecida pela Organização Mundial da Saúde e que, assim como o alcoolismo ou o vício em drogas, exige tratamento profissional e atenção da sociedade.
No cotidiano brasileiro, as apostas online têm se tornado cada vez mais comuns: quem nunca ouviu falar do “tigrinho”? O aplicativo de cassino online se tornou um novo “ícone” da cultura brasileira, sendo tema de músicas, bloquinho de carnaval e até mesmo festa de aniversário. Contudo, o avanço de tal mazela possui, dentre outros motivos, um grande causador: a popularização das Bets a partir da publicidade realizada por influenciadores digitais com milhões de seguidores, que promovem essas apostas como se fossem um caminho legítimo para conquistar uma vida de luxo, viagens e carros importados, ignorando, propositalmente, as consequências destrutivas para a saúde mental e financeira de seus seguidores.
Virgínia Fonseca, por exemplo, possui cerca de 53 milhões de seguidores no Instagram, com um dos maiores engajamentos da internet. Ao publicar propagandas de casas de apostas em seu perfil, a influenciadora vincula a sua imagem (empresária, apresentadora de TV e milionária) às casas de apostas, transportando toda a confiança concedida a ela por seus seguidores aos patrocinadores em questão. Com isso, mesmo que, em depoimento à CPI, instaurada para investigar a falta de transparência dessas plataformas e discutir a legalidade da divulgação dos aplicativos de apostas online, a apresentadora utilize o argumento de que as publicidades informam a não recomendação do uso das Bets por pessoas com tendências a vícios. O conjunto da obra torna a proposta, recorrente em seu perfil, em algo extremamente tentador, criando a ilusão de que o dinheiro e a vida luxuosa da influenciadora pode também ser vivida pelos seus seguidores a partir dos jogos que divulga.
A CPI das Bets virou um espetáculo. A apuração deu lugar à autopromoção e o debate sobre a ludopatia, que deveria estar no centro da discussão, seguiu em segundo plano. O espetáculo, as risadas, os follows trocados e até a sessão de fotos. Adjetivos que poderiam facilmente caracterizar um evento de moda foram vistos por milhões de pessoas no Senado Federal. De fato, quando se pensa em um inquérito referente à investigação do crescimento das apostas no Brasil, se espera que, no mínimo, seja um evento coberto de seriedade e respeito à população brasileira. Porém, até Guy Debord ficaria surpreso com a completa representação de sua tese, no livro “Sociedade do espetáculo”, de maneira tão clara e vergonhosa, em um ambiente de extremo destaque na política nacional. O que foi mostrado aos nossos olhos foi a construção de um ambiente voltado à busca de visibilidade, recortes de falas para viralizar nas redes sociais e ridicularização do tema a ser discutido. Um cenário em que não mais importava o ser, e sim o parecer. Onde deputados, como o Cleitinho (Republicanos – MG), responsável por utilizar o seu espaço no depoimento da apresentadora para pedir uma selfie e solicitar que a mesma continuasse a publicar seu conteúdo nas redes sociais, não pareciam nem um pouco preocupados com a possível participação da Virgínia na dissipação, vício e lucro a partir do prejuízo de seus seguidores em jogos de aposta online, mas apenas na vinculação de suas imagens à influencer.
Moda e construção de imagem de Virgínia viram pauta e geram polêmica nas redes sociais. (Foto/Reprodução: Hugo Barreto/Metropolis)
A influenciadora Virgínia Fonseca, acostumada a ostentar uma vida luxuosa em seu Instagram, escolheu nesse momento encarnar a personagem de uma moça jovem e frágil. Suas roupas não eram de marcas de grife que valem alguns salários mínimos, mas representavam a simplicidade em uma calça jeans e um moletom com o rosto de sua filha Maria Flor, se mostrando uma mãe meiga e carismática, contrapondo sua a realidade de influenciadora investigada por sua relação com as Bets. Outra questão que também ganhou luz com a aparição da influencer na CPI foi a escolha de sua garrafa d’água rosa com a logo de sua empresa, Wepink , em destaque. Com isso, a partir da casualidade na sua roupa e destaque em sua garrafa d’água, a influencer utiliza a CPI como forma de reconstrução de sua imagem, de investigada pela CPI à mãe inocente, e aproveita a projeção nacional da ocasião para fazer publicidade de sua marca.
Diante toda a espetacularização da CPI das Bets, o nome da apresentadora se tornou um dos mais pesquisados na internet, com um aumento de 490% segundo um levantamento do Google. Porém, o poder destrutivo dos influencers divulgadores de casas de apostas parece não ter recebido a merecida importância. Afinal, a comparação feita pelo Ministério da Saúde entre o vício em jogos e o uso de álcool e outras drogas, em um ofício encaminhado ao STF, junto com os dados do Banco Central que mostram que mais de 5 milhões de beneficiários do Bolsa Família movimentaram cerca de R$ 3 bilhões em plataformas de jogos on-line via pix em agosto de 2024, escancaram uma bomba-relógio: a ilusão do enriquecimento fácil somada a ludomania ameaça colapsar a economia e a saúde pública.
A grande diferença é que, enquanto substâncias químicas alteram o corpo, o jogo age diretamente sobre o cérebro, ativando os mesmos circuitos de recompensa que provocam prazer. O problema começa com uma aposta despretensiosa. Vem a emoção de uma possível vitória. Depois, a perda. Em seguida, a vontade de recuperar o que foi perdido. E, sem perceber, a pessoa entra em um ciclo de compulsão que pode levar à falência financeira, ao isolamento social, à depressão e, em casos extremos, até ao suicídio.
Relatos de problemas financeiros, insônia e transtornos psíquicos relacionados a casas de apostas ganham destaque na internet. (Foto/Reprodução: André Mello/O Globo)
Isso escancara a realidade de que as promessas de dinheiro fácil estão atingindo principalmente os mais pobres, que, sem perspectivas, se agarram à ilusão de enriquecer com um clique. Mas, como diz o ditado popular, a casa sempre ganha, e no caso das bets, quem lucra são os influenciadores e os donos das plataformas, enquanto a população perde tempo, dinheiro e saúde.