Por Ana Lidia Chefler e Mirella Nunes
Editado por Raíssa Barbosa
Segundo dados do Instituto Brasileiro de Opinião Pública (Ibop), 78% dos brasileiros acompanham notícias diárias sobre crimes violentos, um aumento de 25% nos últimos cinco anos. Esse consumo excessivo, com o passar do tempo, faz com que as pessoas reajam com menos empatia e indignação. A dor do outro começa a parecer distante, e isso gera um efeito perigoso na sociedade: as pessoas passam a achar “normal” ver notícias tristes, brigas, agressões e injustiças. Essa mudança cognitiva reduz a motivação para agir, denunciar e intervir porque o pensamento predominante se torna o de que “não vai fazer diferença” ou “todo mundo é violento mesmo”. Afirma a psicóloga Clara Nunes.
De acordo com Clara, isso é visto na Terapia Cognitiva Comportamental. Quanto mais uma pessoa é exposta a um estímulo emocionalmente impactante, menos a sua resposta emocional acompanha a gravidade dele, isso é chamado de dessensibilização emocional. Assim, o que antes gerava indignação e empatia passa a ser percebido como algo “normal” ou rotineiro.
Nas redes sociais, o volume crescente de questões sobre a violência vem crescendo, principalmente entre os jovens. Uma pesquisa sobre algoritmos, violência e juventude realizada pelo Instituto Think Twice Brasil, revela que 84,3% dos jovens já encontraram algum conteúdo violento e/ou vídeos discriminatórios, de humilhação ou perturbadores nas redes sociais. “Cresci consumindo conteúdo de violência extrema através da internet (tudo na surface web)”, descreveu um dos participantes do estudo, “Embora eu nunca tenha feito mal às pessoas, essa experiência afetou a forma como as vejo e acredito que me dessensibiliza em relação a tudo de grotesco e perturbador”.
Nas redes sociais o algoritmo reforça essa exposição à violência, podendo levar a uma banalização de relações coletivas, onde o choque inicial dá lugar à indiferença. “As pessoas consomem violência sem perceber, pois o algoritmo das redes sociais fazem conteúdos que despertam as emoções, fazendo com que sejam reforçadas crenças disfuncionais do tipo: isso acontece o tempo todo, é assim mesmo”, declara Clara Nunes.
O jovem ítalo Otoni, de 18 anos, traz um exemplo real vivenciado em seu grupo de amigos por meio do WhatsApp: “Quando surge algum vídeo de uma mulher apanhando do marido, antes mesmo de achar estranho, surgem piadas sobre o tema”. Ítalo acredita que isso ocorre por ser algo visto com tanta frequência, se tornou comum cenas como essa, mas não normal.
Além das fronteiras
Essa banalização não é exclusiva do Brasil. Estudos internacionais, como o da Universidade de Harvard, mostram que a exposição prolongada a conteúdos violentos nas redes sociais reduz a resposta emocional em até 40%. No Reino Unido, após anos de cobertura sobre crimes intensos de faca em Londres, pesquisas indicam que os jovens veem a violência como “parte da vida urbana”, exercendo esforços preventivos.
O médico Dráuzio Varella comenta, em um estudo publicado na revista americana Science em abril de 2002, sobre os impactos da exposição diária de adolescentes e adultos jovens à cenas de violência na televisão. A pesquisa acompanhou 707 famílias com filhos entre um e dez anos de idade, iniciando em 1975, quando as crianças tinham, em média, 5,8 anos, e concluindo em 2000, quando a média etária chegou a 30 anos. Ao longo desse período, todos os participantes foram entrevistados periodicamente, sendo avaliados diversos fatores, como renda familiar, atenção dos pais, níveis de violência na comunidade e escolaridade dos responsáveis. O comportamento dos jovens foi analisado por meio de questionários especializados aplicados repetidamente e pela consulta aos registros policiais.
Diz o Dr. Dráuzio que, depois de criteriosa avaliação estatística, os pesquisadores concluíram que, independentemente de fatores de risco, a exposição do indivíduo de 14 anos à televisão, por si só, está significativamente associada à prática de assaltos e outros atos violentos posteriormente ao atingir a faixa etária dos 16 a 22 anos, independentemente do sexo, mas essa relação não fica evidente para os crimes contra o patrimônio.
Os impactos causados
Os impactos do consumo de violência, através de jornais, rádios, portais de notícias e redes sociais, faz com que ocorra para a maioria das pessoas uma dessensibilização emocional, em que a pessoa se torna menos sensível à dor do outro e começa a reagir com indiferença ou até com ironia diante de situações graves. “Aos poucos, a violência deixa de chocar e passa a ser vista como parte do cotidiano”, de acordo com a psicóloga Clara Nunes. Já para uma parcela menor de pessoas, o efeito é o oposto, o cérebro, que passa a interpretar o mundo como um lugar perigoso, o que pode aumentar a ansiedade, o medo e o estado de alerta. “Além disso, para quem já viveu alguma situação traumática relacionada à violência, esse tipo de conteúdo pode servir como gatilho, trazendo lembranças dolorosas e reativando emoções intensas ligadas ao trauma. Essas pessoas podem sentir angústia, insônia, tristeza, ou até reviver mentalmente partes do que viveram.”
Para combater isso, Paulo Mendes, jornalista brasileiro, crítico de mídia e professor universitário, conhecido por suas análises sobre o sensacionalismo na imprensa e a responsabilidade jornalística sugere uma abordagem mais responsável da mídia: focar em soluções e contextos, em vez de sensacionalismo. “Notícias devem informar, não anestesiar”, conclui. Enquanto isso, a sociedade enfrenta o desafio de reviver a indignação antes que a violência se torne invisível.
