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Influenciadoras e a agência de intercâmbio investigada por tráfico humano

MC Thammy, Catherine Bascoy e Aila Loures se desculparam após fazer publi para empresa acusada de tráfico humano (Foto/Reprodução:@mcthammy, @catherinebascoy e @ailaloures via Instagram/Estadão)

Por Isadora Coelho e Maria Luiza Coelho
Editado por Raíssa Barbosa

O caso das influenciadoras digitais que divulgaram uma suposta oportunidade de intercâmbio na Rússia, hoje investigada por tráfico humano, expõe de forma alarmante o abismo entre o poder da influência e a falta de responsabilidade que a acompanha. O episódio vai muito além de um erro publicitário, é o retrato de uma cultura digital que transforma a confiança do público em moeda de troca, sem a devida consciência das consequências.

No último mês, nomes como MC Thamy, Aila Loures e Catherine Bascoy estiveram no centro de uma polêmica após promoverem, em suas redes sociais, o “Alabuga Start” (também divulgado como “Start Program”), um programa que prometia salários atraentes, moradia gratuita, curso de idioma e experiência internacional para jovens entre 18 e 22 anos. O que soava como uma chance de ascensão e aprendizado revelou-se, segundo investigações realizadas pela Interpol, uma possível fachada para exploração de tráfico humano.

A defesa das influenciadoras, como já esperado, alega que as mesmas tenham sido enganadas, pois receberam documentos supostamente regulares e agido de boa-fé. Mas esse argumento não apaga a questão central, até que ponto quem lucra com a própria credibilidade pode se eximir de investigar o que divulga? Em um ambiente digital em que milhões de seguidores moldam suas decisões baseados em “dicas” e “parcerias”, a omissão é tão nociva quanto a mentira.

O ocorrido se torna ainda mais alarmante ao revelar o papel central da zona econômica especial de Alabuga, na Rússia, que, além de ser um ponto estratégico na produção de drones militares utilizados na guerra da Ucrânia, abriga instalações onde as jovens recrutadas eram direcionadas a trabalhar em condições extremamente precárias. Ao invés de uma simples oportunidade de intercâmbio cultural, o programa, ao que tudo indica, se configurava como uma fachada para exploração laboral, com jornadas extenuantes e uma rígida vigilância sobre os participantes. A própria Interpol emitiu alertas sobre o Alabuga Start, destacando a seriedade das suspeitas, o que levanta a questão de até que ponto as influenciadoras envolvidas realmente realizaram uma verificação adequada antes de promover o programa. 

Além disso, o uso de plataformas como TikTok e Telegram para promover o “Start Program” revela uma estratégia sofisticada de aliciamento digital. Os vídeos, embalados por trilhas sonoras otimistas e depoimentos de supostos participantes satisfeitos, criavam uma narrativa sedutora e difícil de questionar. A estética da oportunidade era cuidadosamente construída para parecer legítima, enquanto os riscos eram invisibilizados. Nesse cenário, o papel das redes sociais como facilitadoras de esquemas transnacionais precisa ser debatido com urgência. Não basta responsabilizar quem compartilhou — é preciso discutir como essas plataformas permitem que a desinformação se disfarce de sonho. 

A publicidade nas redes sociais se tornou um território sem fronteiras claras entre o real e o fabricado. A lógica do engajamento, que premia o que é viral e visualmente atraente, frequentemente ignora o que é ético. O resultado é um terreno fértil para que golpes, desinformação e até crimes se escondem através de filtros e legendas inspiradoras. E quando o discurso da “oportunidade internacional” se dirige especificamente a mulheres jovens, um grupo historicamente mais vulnerável a promessas de trabalho no exterior, o dano se torna ainda mais cruel. 

O episódio não é apenas um alerta sobre os riscos de oportunidades internacionais duvidosas, é um chamado à responsabilidade coletiva. Os influenciadores precisam entender que não são apenas vitrines de consumo, mas agentes que moldam escolhas e trajetórias. Plataformas digitais, por sua vez, devem ser cobradas por permitir que esquemas perigosos se espalhem sob o disfarce de conteúdo inspirador. Enquanto a influência continuar sendo tratada como entretenimento inofensivo, casos como o “Alabuga Start” seguirão se repetindo e os mais vulneráveis continuarão pagando o preço.






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